quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Fragmento de memórias

"Vê lá se D.Lourença admitia negro calçado... Tampouco usando jóias e cheiros que nem a sinhá. Mas que importava? 'Brinco-de-princesa' não é bicha? 'Esporinha' não faz pulseira? 'Lágrima-de-nossa-senhora', colar e 'Sempre-viva', coroa? Além dessas gemas vivas, as morenas tinham banha de porco para amansar o pixaim. Para amainar suas ondas, óleo de babosa. Para fazê-lo brilhar, gosma de quiabo. E tinham a farmacopeia doméstica cheia dos preparos que, além de curarem o corpo, tinham serventia de perfume. As mulatas recendiam a infuso de alecrim, azeite de funcho, gordura de alfazema, banho de alfavaca, óleo de manjericão, chá de congossa, a cozimento de manjerona, a loção de tomilho... Tinham ervas de cheiro para esmagar nas mãos. Capim-cheiroso para esconder no decote. E tinham os supremos, os profundos sovacos de onde saíam as espirais do xexéu que faziam tremer as narinas dos machos da casa. Dos negros do cascalho, dos de dentro, dos feitores, do Sinhô, dos meninos. Essa proximidade de fogo e pólvora..."
Pedro Nava

NAVA, Pedro. Baú de Ossos. Memórias I. 7 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 181.

2 comentários:

  1. Grande Nava.Texto belíssimo que revela a sensibilidade fina do mineiro.Você sabe que ele é uma ads minhas paixões iterárias.

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  2. Olha, Tetê, ando lendo Nava, Baú de Ossos, seu primeiro volume de memórias. È um mundo que descubro e nele me movimento. Sua escritura me faz chegar a algumas conclusões. Depois te falo mais. Mas esse fragmento é muito bacana. João

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