quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Filhos da época

Somos filhos da época
e a época é política.

Todas as tuas, nossas, vossas coisas
diurnas e noturnas,
são coisas políticas.

Querendo ou não querendo,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um aspecto político.

O que você diz rem ressonância,
o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.

Até caminhando e cantando a canção
você dá passos políticos
sobre um solo político.

Versos apolíticos também são políticos,
e no alto a lua ilumina
com um brilho já pouco lunar.
Ser ou não ser, eis a questão.

Qual questão, me dirão.
Uma questão política.

Não precisa nem mesmo ser gente
para ter significado político.
Basta ser petróleo bruto,
ração concentrada ou matéria reciclável..
Ou mesa de conferência cuja forma
se discutia por meses a fio:
deve-se arbitrar sobre a vida e a morte
numa mesa redonda ou quadrada.

Enquanto isso matavam-se os homens,
morriam os animais,
ardiam as casas,
ficavam ermos os campos,
como em épocas passadas
e menos políticas.

Wislawa Szymborska

IN: SZYNBORSKA, Wislawa. Poemas. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 77-78.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Lanterna Dos Afogados
Herbert Vianna

Quando tá escuro
E ninguém te ouve
Quando chega a noite
E você pode chorar

Há uma luz no túnel Dos desesperados
Há um cais de porto
Pra quem precisa chegar

Eu estou na lanterna dos afogados
Eu estou te esperando
Vê se não vai demorar

Uma noite longa
Pra uma vida curta
Mas já não me importa
Basta poder te ajudar
E são tantas marcas
Que já fazem parte
Do que eu sou agora
Mais ainda sei me virar

Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando
Vê se não vai demorar

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Uma lupicínica

AVES DANINHAS
Lupicínio Rodrigues
Composição : Lupicínio Rodrigues


Eu não quero falar com ninguém
Eu prefiro ir pra casa dormir
Se eu vou conversar com alguém
As perguntas se vão repetir
Quando eu estou em paz com meu bem
Ninguém por ela vem perguntar
Mas sabendo que andamos brigados
Esses malvados querem me torturar

Se eu vou a uma festa sozinho
Procurando esquecer o meu bem
Nunca falta um engraçadinho
Perguntando ela hoje não vem
Já não chegam essas mágoas tão minhas
A chorar nossa separação
Ainda vem essas aves daninhas
Beliscando o meu coração.

domingo, 27 de março de 2011

RILKE-AUGUSTO

DER DICHTER

Du entfernst dich von mir, du Stunde,
Wunder schlägt mir dein flügleschlag.
Allein: was soll ich mit meinem Munde?

Ich habe keine Geliebte, kein Haus,
keine Stelle, auf der ich lebe.
Alle Dinge, an die ich mich gebe,
werden reich und geben mich aus.

Rainer Maria Rilke


O POETA

Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: que fazer da boca, agora?
Que fazer do dia, da noite?

Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.

Tradução: Augusto de Campos

CAMPOS, Augusto de. Rilke: poesia-coisa. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

sábado, 26 de março de 2011

artigos para presente

aos corações namorados
desejo uma forração de pneu
para tratores, é desnivelada
a estrada do amor

e o raro dom de transformar
as máquinas pesadas da convivência
em miniaturas de máquinas pesadas
da convivência

uma jaqueta corta-frio para distâncias
convenientes e forçadas, brigas de quarta
série primária e joguinhos de salão
ao relento. já aos corações devotados

aos seus corações namorados desejo,
sobretudo, o enrosco, aquele laço fatal
do nhenhenhem do carinho e o tempo
medido por um relógio de pulso quebrado.


Bruna Beber

BEBER, Bruna. Balés. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009, p. 21.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

pra curtir no carnaval ou na quaresma e sempre

Quando Você Voltar
Legião Urbana
Composição: Renato Russo

Vai, se você precisa ir
Não quero mais brigar esta noite
Nossas acusações infantis
E palavras mordazes que machucam tanto
Não vão levar a nada, como sempre
Vai, clareia um pouco a cabeça
Já que você não quer conversar.
Já brigamos tanto
Mas não vale a pena
Vou ficar aqui, com um bom livro ou com a TV
Sei que existe alguma coisa incomodando você
Meu amor, cuidado na estrada
E quando você voltar
Tranque o portão
Feche as janelas
Apague a luz
e saiba que te amo..

o combate entre o carnaval e a quaresma, brueghel