domingo, 21 de fevereiro de 2010

Para ler e ouviver

Pecado original
Caetano Veloso



Todo dia, toda noite, toda hora,
Toda madrugada, momento e manhã
Todo mundo, todos os segundos do minuto
Vive a eternidade da maçã
Tempo da serpente nossa irmã
Sonho de ter uma vida sã

Quando a gente volta o rosto para o céu
E diz olhos nos olhos da imensidão:
Eu não sou cachorro, não
A gente não sabe nunca ao certo onde colocar o desejo

Todo beijo, todo medo, todo corpo
Em movimento está cheio de inferno e céu
Todo santo, todo canto, todo pranto, todo manto
Está cheio de inferno e céu
O que fazer com que Deus nos deu?
O que foi que nos aconteceu?

Quando a gente volta o rosto para o céu
E diz olhos nos olhos da imensidão:
Eu não sou cachorro, não
A gente não sabe o lugar certo de colocar o desejo

Todo homem, todo lobisomem
Sabe a imensidão da fome que tem de viver
Todo homem sabe que essa fome é mesmo grande
Até maior que o medo de morrer
Mas a gente nunca sabe mesmo o que é que quer uma mulher

© Editora Gapa

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Poema de Kaváfis

TEDIÁRIO


O enfado jornalário emula o enfado
jornalário. A idiotia reincide
no episódico, idiotia rediviva -
a minudência especular do vai e vem.

A mesmice mensal do mês.
Presumir o porvir não requer talento:
o torpor engravida a véspera.
E, vazio de amanhã, amanhece.

Konstantinos Kaváfis

IN: KAVÁFIS, Konstantinos. 60 poemas. Tradução de Trajano Vieira. São Paulo: Ateliê, 2007, p. 27.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Excerto do Childe Harold

Do Canto III

72


O mundo eu não o amei, nem ele a mim;
Não bajulei seu ar vicioso, nem dobrei
Aos seus idólatras o joelho do sim. -
Meu rosto não abriu risos ao rei
Nem repetiu ecos; a turba, eu sei,
Não me inclui entre os seus. Vivi ao lado
Deles, porém sem ser da sua grei;
E à mortalha da sua mente atado
Estaria se não me houvesse precatado.

Byron

Tradução: Augusto de Campos

In: CAMPOS, Augusto de. Byron e Keats. Entreversos.São Paulo: Editora da Unicamp, 2009, p.21.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Poema

Sereno ele retorna do impossível
Traz no bico de prata
a rosa azul dos sonhos que tivemos
e nos pés de cristal a morna terra das estrelas
Branco e tranquilo e leve e livre e alegre
quase como se morto já estivesse
o pássaro feliz esvoaça em meu seio
afugentando as sombras com seu canto

1948



Mário Faustino

IN: FAUSTINO, Mário. O homem e sua hora e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 213.