sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

De "Os dragões não conhecem o paraíso"

Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. Dunas, geleiras, estepes. Nunca mais reflexos esverdeados pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, nunca mais fumaças coloridas ou formas como serpentes espreitando pelas frestas de portas entreabertas. Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa. A não ser o belo, que é de ver, não de mastigar, e por isso mesmo também uma forma de desconforto. No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pantanal de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora. Quando tudo, sem ele, é nada.

ABREU, Caio Fernando.Caio 3D. O essencial da década de 1980. Rio de Janeiro: Agir, 2005. P. 135.

4 comentários:

  1. Epífânico, João. Amei.
    Desejo-lhe um 2010 "cheio de possibilidades".

    bj

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  2. Legal, Nonato. Muitas possibilidades para você também. Bjs, João

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Nossa, esse texto é perfeito, bela escolha. Vai além das palavras. O Caio realmente tinha o hábito de nos chocar, nos acordar pra dentro.
    Adorei, Parabéns!

    Abraço

    Vânia Andrade

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