Sobre teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.
Vergonha de há tanto tempo
viveres - se morte é vida -
sob chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.
Lágrimas de noturno orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão-só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.
(Amanhecerá.)
Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje,
sobre teu túmulo há de abrir-se,
mostrando gloriosamente
- ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo -
que para sempre viverão
os poetas martirizados.
Carlos Drummond de Andrade
IN: ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003,p. 237.
sexta-feira, 19 de março de 2010
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