quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Conversa entre poetas

BALLATA XI
Guido Cavalcanti (tradução:Mário Faustino)

Como não ‘spero voltar nunca mais
Ballatetta, a Toscana,
Vai tu, leve e ligeira,
Direito à minha dama,
Que por ser tão gentil
Honrar-te muito há-de.

Levar-lhe-às notícias de suspiros,
Cheios de dor e de grandes temores.
Mas não te deixes ver por nenhum desses
Inimigos das coisas delicadas
Pois, para pena minha,
Em teu caminho serias detida,
Longe de minha dama,
Fazendo-se sofrer
Em vida e após a morte
Mais pranto e novas dores.

Bem sabes, Ballatetta, como a morte
Já me constrange enquanto vai-se a vida.
Bem sabes que meu peito bate forte
Por aquilo em que pensa todo espírito.
Meu ser de tal maneira é destruído
Que nem resistir posso:
Se me fazes favor leva contigo
Minh’alma - isso te imploro -
Quando ela abandonar meu coração.

Ah, Ballatetta, ao bem que tu me queres
Essa trêmula alma recomendo:
Leva-a contigo até a piedade
Da bela dama a quem ora te envio;
Ah, Ballatetta diz-lhe suspirando,
Quando te vires em sua presença -
“Serva sou vossa, vim ficar convosco,
Da parte de quem foi servo de Amor”.

Tu, voz desanimada e enfraquecida
Que a chorar deixas o cor doloroso,
Com minh’alma e com esta Baladinha
Segue contando de um ser destruído.
Encontrareis uma senhora amável
De mente tão suave
Que só por sempre estardes
Com ela dar-v0s-eis por bem felizes:
Tu, alma, vai, adora-a
Por ser tão valorosa.

BALATETTA

Mário Faustino

Por não ter esperança de beijá-lo
Eu mesmo, ou de abraçá-lo,
Ou contar-lhe do amor que me corrói
O coração vassalo,
Vai tu, poema, ao meu
Amado, vai ao seu
Quarto dizer-lhe quanto, quanto dói
Amar sem ser amado,
Amar calado.

Beijai-o vós, felizes
Palavras que levíssimas envio
Rumo aos quentes países
De seu corpo dormente, rumo ao frio
Vale onde vaga a alma
Liberta que na calma
Da noite vai sonhando, indiferente
À fonte que, de ardente,
Gera em meu rosto um rio
Resplandecente.

No sonolento ramo
Pousai, palavras minhas, e cantai
Repetindo: eu te amo.
Ele, que dorme, e vai
De reino em reino cavalgando sua
Beleza sob a lua,
Encontrará na voz de vosso canto
Motivo de acalanto;
E dormirá mais longe ainda, enquanto
Eu, carregando só, por esta rua
Difícil, meu pesado
Coração recusado,
Verei, nesse seu sono renovado,
Razão de desencanto
E de mais pranto.

Entretanto cantai, palavras: quem
Vos disse que chorásseis, vós também?









BALADETA À MODA TOSCANA

(para arrabil e voz,
e para ser musicada por
Péricles Acavalcanti)


Porque eu não espero retornar jamais
à Lira Paulistana,
diz àquela Diana
caçadora, que eu amo
e que me esquiva,
que dê o que eu reclamo:
e me repara o dano
de tanto desamor.

Porque eu não espero retornar jamais
à Londres suburbana,
diz àquela cigana
predadora, que eu gamo
e que me envisga,
que uma vez faça amo
(e se finja cativa)
deste seu servidor.

Mas diz-lhe que me esgana
passar tanta tortura,
e que desde a Toscana
até o Caetano
jamais beleza pura
tratou com tal secura
um pobre trovador.

Vai canção, vai com gana
à Diana cigana,
e diz que não se engana
quem semana a semana,
sem fé nem esperança,
faz poupança de amor.
Chega dessa esquivança:
que a dor também se cansa
e a flor, quando se fana,
não tem segunda flor.

Quem sabe uma figura
uma paulist’humana
figura de Diana
me surja de repente;
e mostre tanto afeto
que o meu pobre intelecto
saia a voar sem teto
sem ter onde se pôr.
Ânimo, alma, em frente:
diante de tanta Diana
o corpo é o pensador.


Haroldo de Campos

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